Numa maré de azar mais sinistra do que a Seleção Brasileira, Ana começava a pensar que aquele não era o seu dia.
– Deve ser um sinal, só pode… – Disse Ana, enquanto desligava o chuveiro queimado. Mas logo se reanimou – Não! Chega de pensamento negativo. Coragem!
Religou o chuveiro e resolveu terminar seu banho assim mesmo, afinal, não dizem que lavar o cabelo com água gelada faz bem? Bem ou não, era a única saída que Ana tinha. E deu certo. Seu cabelo ficou ótimo. Enrolou-se rapidamente com a toalha, pois o tempo estava passando e ainda tinha muito a ser feito. Próxima parada, encontro com a pinça.
– Júlia, pelo amor de Deus! Não estraga a minha sobrancelha viu? Não inventa moda, só tira os excessos…
– Excessos? Você é muito engraçada amiga. Excesso é apelido… Uma máquina de aparar grama não seria nada mal por aqui hein? – Disse sorrindo, enquanto puxava compulsivamente os fios da sobrancelha de Ana.
Alguns minutos tortuosos depois, com receio e expectativa, Ana confere o resultado no espelho e exclama: – Nunca mais pago ninguém para fazer as minhas sobrancelhas. Você é profissional, Jú!
-Modéstia a parte, sou mesmo! Olha essas belezinhas aqui! – Diz, apontando para as próprias sobrancelhas.
– Metida! Larga de onda e me ajuda com essas unhas!
– Ana, prepara o cheque, porque depois dessa missão eu mereço um agrado…
Ao contrário das sobrancelhas, Júlia não era uma especialista em unhas. O resultado as mulheres já imaginam… Um festival de bifes! Nos pés e nas mãos. A vida definitivamente não é um conto de fadas.
– Não dava pra te elogiar em tudo né? – Ana reclamava, observando os dedos avermelhados.
– Desculpa Ana, mas você sabe do meu histórico… O difícil vai ser achar um sapato que não machuque agora.
As horas voaram e o relógio já marcava 17h. Ana só tem 3 horas para se arrumar. Sim, SÓ 3 horas. Mulher que é mulher sabe que 3 horas pode não ser tempo suficiente. Mas Júlia já havia separado as roupas com seus respectivos sapatos, então não seria muito difícil… Dentre todas as opções, Ana aposta no tal vestido Scarlet Johansson, um pretinho básico. Melhor do que inventar muita moda e acabar ficando cafona…
O escolhido era curto, mas nem tanto, decotado, mas decente, tomara que caia, mas seguro o suficiente para não cair. Sapato, aquele salto 12 velho de guerra que Ana sabe que não vai lhe causar bolhas nos pés e nem apertar os dedos machucados. Agradece à amiga e se despede, o resto da produção está por sua conta.
Com a maquiagem e o cabelo ela se vira. Queimou a orelha fazendo cachos com a chapinha, mas a ansiedade era tanta que só sentiu a dor quando ouviu o fritar do aparelho em contato com a pele. Mas hoje não, hoje seria preciso muito mais para tirar Ana do sério. Relevou e seguiu com o processo.
19:45. Toca o interfone. Era ele. Meu Deus. Ela ainda não estava pronta, mas graças a sua agilidade de viver no improviso, estava quase, só faltava o rímel. Correu pra frente do espelho e…
– AIIIII!!! – Na pressa, Ana foi com tudo e enfiou o pincel dentro do olho. Instantaneamente os olhos ficaram vermelhos e começaram a lacrimejar. Ela não tinha tempo para o sofrimento. Pegou a bolsa, reuniu toda a dignidade que lhe restava e desceu.
Para a sorte de Ana, Guilherme estava tão encantado, que só conseguiu elogiá-la:
– Nossa Ana, tem algo diferente no seu cabelo, não tem? Está tão bonito solto… Sabe, eu gosto de mulher assim, natural, sem muita produção.
Sabe de nada inocente! Sem muita produção? Ana não sabia se chorava pelo rímel ou se ria porque Guilherme só percebeu as coisas boas e não fazia ideia do sufoco que ela havia passado. Ela sorriu, meio sem jeito aos elogios e agradeceu. Ela nem podia acreditar, estava tudo dando certo! Aproveitando o momento, fechou os olhos por um instante e se deixou preencher com o cheiro do perfume de Guilherme que pairava no ar.

(13/07/2014)
Daniela Colaci Moreira